quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Rápidas (2)

O suicida é o único que tem total controle de sua vida.

Sapão

Choro

eu queria chorar
chorar com lágrimas corredo
olhos vermelhos

chorar como você chora
para espantar os fantasmas
para chamar ajuda
para dizer que me quer

eu queria chorar
de dor
de amor
ou sem razão de ser

eu só queria chorar
só chorar

Sapão

Ao meu filho

filho
sinto muito

não era isso que eu queria

se eu pudesse te daria
o céu embrulhado pra presente
o inferno numa redoma de vidro
e o mar numa banheira

mas não posso
só posso te dar meu abraço
lágrimas contida à noite
e um bilhete de despedida

Sapão

sábado, 21 de junho de 2008

Espera

A espera foi longa
e acompanhada dos
silenciosos sons dos
ecos de minhas
lembranças

Você não veio.

Sapão

Geladeira

Você me impediu de
conversar com ela.

Você me impediu de
fazer amnor com ela.

Você a afastou de mim
e eu a tirei de você.

Você não pode mais me impedir de
estar perto dela.

Você não pode mais me impedir de
olhar para ela.


Porque eu a coloquei na minha
geladeira.

Sapão

Lágrimas

Havia algo de tédio enevoando o ambiente
O vento triste que acompanhava
a saudade da música
a dor que não dói mas me trouxe
a lembrança de um dia
de uma grande paixão que não tive

Não olhei um rosto numa foto e não lembrei de um grande amor
e não chorei

minhas lágrimas não fazem sentido.

Sapão

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Hai-Kai? (III)

Os furos são os lugares
onde fica guardado
o silêncio.

Sapão

Hai-Kai? (II)

Em tempo de sol
ou tempo de chuva
ele caminha no deserto.

Sapão

Hai-Kai? (I)

Ruínas de templos
repetem ao vento
segredos antigos.

Sapão

Na Sala

Sobre a mesa, um livro
E uma história de terror
Sobre o gaveteiro, a TV
E um filme de guerra
Sobre o armarinho, o rádio
E as notícias do tiroteio
Sobre a cadeira, uma revista
E as fotos do sequestro
Sobre o sofá, eu
E meus sonhos de paz.

Sapão

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Receita médica

Meu médico me receitou:
- estar contente duas vezes
ao dia.

Sapão

a Machado de Assis

Aos vermes que primeiro
roerem minha carne:

Bon apetit!

Sapão

Espelho

as grades ameaçam
o espelho rachado
com a imagem
de uma sombra
tão fugaz quanto você


Sapão

Óculos

as queimadas
               eu vi.

os jacarés
               eu vi.

a fumaça
               eu vi.

você, linda
               eu vi

através dos meus óculos.

Sapão

Recado

Um recado no abat-jour me dizia pra esquecer. Tirei o recado por não conseguir lembrar o que tinha de esquecer. Tentei lembrar e não consegui. Dormi e sonhei. Acosdei no dia seguinte e recoloquei o recado em seu lugar.


Sapão

Despedida

na festa de despedida
meus amigos me deram
meu cérebro numa bandeja de prata.

mas ficou pequeno...

Sapão

Amor

O amor é a última esperança
de um coração só.

Para dois corações, torna-se
o principal problema.

Sapão

Tomada

Havia uma tomada na parede
rente ao chão.

Noite escura.

Havia uma tomada na parede
máscara estranha para os meus medos
rente ao chão.

Sapão

Devaneios

Vou me embora pra Pasárgada.
Vou me embora de Pasárgada
pra onde o rei me mandar.

As armas e os barões
assim alados
devem estar
no aeroporto.

Na minha terra, lá em Confins,
tem aviões e afins.
E as turbinas que aqui zunem,
já não zunem como lá.

E o pátio onde ficam
não é vazio como lá.
E a torre de controle
nada tem pra controlar.

Sapão

Sangue, Lágrimas e Palavras

De meu pai, herdei o mau estar dos cadáveres e o silêncio do que não deve ser dito. De minha mãe, herdei o fogo, que me queima agora. Herdei tristeza, construí melancolia.

Sou repetitivo. Repito um só sentimento, repito o que me dói. A infelicidade é construída, lentamente, dia após dia, solidificando a solidão e a amargura. Amargos são os dias, então.

Se choro, é porque as lágrimas são mais eficientes que as palavras. Mas água é só tranquilizante. Palavra é remédio. Remédio amargo, então.

Tenho amigos, sim. Visto minha máscara de todos os dias, e falo numa língua estranha, palavras que nada significam para mim. Palavras que talvez nada signifiquem para eles. A amizade pouco significa para ambos. Unidos contra o tempo e a solidão, e só.

Paulo Waisberg

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Perfeição

a poesia perfeita não está
onde procuram poetas
que de tão loucos
ficaram sãos

a poesia perfeita não poderá
nunca ser alcançada
está além
da nossa ignorância

a poesia perfeita não pode
ser outra que
o mais patético e profundo
silêncio.

Sapão

Meio

Sou meio, apenas isso
Em nosso sistema
podemos ser um ou zero.
Sou meio, apenas isso.


Se não sou um,
sou zero.
Mas sou meio.

Ser meio é ser
mais zero do que um.

Ser meio é pior que ser zero.

Sapão

Metrópole Qualquer

Apartamentos entre arranha-céus
mulheres entre quatro paredes
barulho stress medo

Um homem é assaltado
Um cachorro é atropelado
Um burro é admirado

A fumaça cegou as janelas

êta via besta, meu Deus!

Sapão

Homenagem à Cidadezinha Qualquer de Drummond

terça-feira, 13 de maio de 2008

Requiem

Ele está ao meu lado.
Mas o fantasma de carne e osso não me assusta.
O que me assusta é o reflexo dele dentro de mim
Escorrendo pelas marcas fundas.
Quem pagou o preço?
Quem morreu por mim?
O fantasma não se importa,
Escarnece com seu riso maldito,
Toca minha pele
E canta um requiem.

Ele me trouxe uma adaga.

Mas é tão difícil aceitar
Que sou equilibrista numa corda podre.
Que meu tempo se foi.
Que vou ser o fantasma
Do meu próprio fantasma.

Eu não quero mais sentir dor.
Quero que a corda se rompa,
Sem rede.

A adaga cortando a corda.

Mergulho, ossos esmagados, sangue e terra.
Posso dormir em paz?

Mônica Marcucci

sábado, 10 de maio de 2008

love's function is to fabricate unknownness

a função do amor é fabricar desconhecimento
e assim manter obscuro e vivo
o objecto do amor
mar intocado
astro para lá de qualquer conjectura
palavra ainda viva
quieta sapiência no interior de alguma coisa enorme
que se move

oh felizes os amantes porque nunca se conhecem
e nenhum tempo chega para se desconhecerem
medo dilatado até ao grito e máscara
fenda mútua sede
de sabedoria

ninguém anseia
o que já compreende

Carlos Nogueira Fino

sexta-feira, 9 de maio de 2008

A Monstruosa Sombra do Ciúme

- I -

Vim à Nicarágua ajudar a organizar um centro de imprensa com objetivos semelhantes ao international press centerde Pequim, onde trabalho atualmente. Sou do Rio de Janeiro, depois explico como fui parar na China, onde acabei casando e tendo um filho (não exatamente nessa ordem).

A Nicarágua é parecida com o Brasil, sobretudo com o nordeste. Não conheço São Luiz do Maranhão, mas dizem que parece com Manágua. Vim num vôo tranqüilo, durante o qual li alguns contos de Rubén Darío, para desenferrujar meu espanhol. No avião, havia chineses e sobretudo cubanos, em função da escala em Havana, onde fiquei na sala de trânsito do aeroporto duas horas. Resolvi, então, andar para esticar as pernas, percebendo como são distintos latino-americanos e chineses. A diferença é racial, comportamental e lingüística.

A paisagem dos trópicos, para um chinês, é outro planeta. Não venho por essas latitudes há dois anos, então a mim também chocaram os coqueiros crescidos no aeroporto de Havana, bem como o ar quente e úmido. Eram três da manhã, cruzamos a pista a pé, rumo à sala de trânsito. Deixei meu suéter no bagageiro do avião, pois já não precisaria.

De Cuba à Nicarágua, não levou muito tempo. Fui recebido ao descer a escada do avião e conduzido à sala vip pelo jornalista Jorge Aguirre, do diário Intercontinental, fomos almoçar no restaurante chinês do hotel, cuja comida aliás não tem nada a ver com a de Pequim. É na verdade cozinha chinesa para exportação, para branco comer.

Graças a deus, seja América Central, China ou África, sempre há um oásis ocidental, onde a familiaridade com o ambiente e os serviços é um refresco para o esforço de adaptação do estrangeiro. Considero ocidental o padrão nos países capitalistas desenvolvidos, o que inclui sofisticados restaurantes de comida oriental.

Durante o almoço, começamos a falar de trabalho. O centro de imprensa ficaria em casa ao lado do jornal onde Aguirre trabalhava. Eu disse que seria um centro não só para a Nicarágua, mas também os países vizinhos. Congregaria correspondentes estrangeiros, jornalistas locais, estudantes, empresários e diplomatas. Aguirre perguntou por que a Nicarágua e por que mandar alguém de Pequim. Respondi que na Nicarágua tinha havido a experiência sandinista, de cunho socialista, como em Cuba. Era um laboratório para se formar uma imprensa livre, de mercado, um instrumento necessário para a consolidação democrática. Daí a conveniência de escalar um brasileiro residente na China para iniciar essa cooperação técnica.

Falamos um pouco de mulher, obviamente. Elogiei as chinesas; ele, as brasileiras, sobretudo as cariocas. Mas acabara casando com uma nicaragüense, filha do dono do Nueva Prensa e fazendeiro com pretensões políticas. Convidou-me para uma volta de carro e disse para não me assustar com vários prédios destruídos, pois ainda havia marcas do terremoto de 1972, em que morreram 125.000 pessoas. Respondi que preferia sair no dia seguinte, por estar muito cansado. Então, marcamos encontrar às nove da manhã, no saguão do hotel.

- II -

Tinha videocassete no quarto e videoclube no hotel, daí peguei Intersection, com Richard Gere e Sharon Stone. Liguei o ar-condicionado, despi-me e, antes de deitar para assistir à fita, servi-me um uísque com gelo. Mergulhei imediatamente na estória, sobre casamento e separação, ou amor e traição. Mais um exemplo do título de Nelson Rodrigues Miami Herald e o New York Times. Em termos de pauta, o Nueva Prensa era semelhante aos outros periódicos locais; e todos evidenciavam um gosto por catástrofes, crimes e enterros, além do cotidiano da política interna e de reduzido noticiário internacional.

Resolvi tomar um drinque no bar do hotel, que estava vazio. Para minha surpresa, tinha caipirinha, que pedi. O garçom explicou que o gerente do hotel era brasileiro. Senti-me mais à vontade, com um conterrâneo em posição de mando onde eu iria morar dois meses. Sua função, como a minha, exigia familiaridade com o local e formação especializada.

Mas a causa primeira de minha estada ali não era profissional. Meu casamento, de três anos, estava em crise. Uma crise silenciosa, dentro de mim. Então Fan Yuan perguntava o que estava acontecendo, e eu dava sempre uma evasiva. Como dizer a verdade, que eu desconfiava de traição?

Meu plano era simples. Contratei um ex-policial para seguí-la e, se fosse o caso, identificar a terceira ponta do triângulo; daí eu decidiria o que fazer. Minha paranóia já atingia todos os nossos conhecidos. Não que nossa rotina sexual fosse ruim, pelo contrário. Na maioria das vezes, alcançávamos o clímax juntos, ou ela um pouco antes. A freqüência, quase diária, levava a crer num consistente desejo recíproco.

Por que, então, a suspeita? Nenhum indício incontestável ou mudança de comportamento. Após alguns fatos e constatações, minha intuição passou a sussurrar, depois gritar, que havia algo errado. Fatos do seguinte tipo: telefono onze da manhã do trabalho, Fan Yuan atende dizendo que está no banho, que liga depois; mas como, se tomamos banho duas horas antes? Nesse dia à noite, disse que estava cansada, que não queria namorar.

Outro exemplo: ela vai me visitar no trabalho e sai por volta de meio-dia, coincidentemente na mesma hora de um colega meu, que de tarde volta dizendo que nem teve tempo de almoçar, por ter fodido uma mulher. À noite, ela decidiu ler e adormeceu.

A maneira como ela olha ou fala com certos homens também é suspeita. Às vezes, quando vamos a um restaurante, ela paquera na minha frente. No balcão de uma loja, conversa animadamente com um vendedor boa pinta sobre produtos que não vai comprar e me deixa plantado esperando.

Algo sutil, não menos importante: sua submissão a meu mau humor. Fui ficando cada vez mais irritadiço de dezembro para cá, por ter sido rebaixado no press center, de primeiro a segundo assessor do chefe de relações públicas, substituído por um inglês mais jovem. Além do golpe na auto-estima, meu salário diminuiu. Foi esse cara que disse que nem comeu por ter fodido na hora do almoço. Pois Fan Yuan parecia um colchão infinito perante minhas injúrias freqüentes, como se merecesse punição (de todo modo, insuficiente).

A leitura da sonata de Kreutzer, de Tolstói, foi a gota d'água. Decidi arranjar uma viagem, para pensar no casamento e na profissão, ambos me faziam mal. Surgiu a oportunidade de vir para a Nicarágua, apresentei-me e levei. Na semana anterior a minha partida, Fan Yuan interpretou momentos de tristeza, e suas lágrimas eram (não me venham defendê-la) for no one.

- III -

Após três caipirinhas, sem comer nada, fui para o quarto zonzo e desabei na cama. Meu sono foi agitado pelo calor (nem me lembrei de ligar o ar-condicionado) e por uma série de pesadelos, em que Fan Yuan cada vez surgia abraçada a um homem diferente, dizendo 'este você não conhece, mas não é nada do que você está pensando; acredite, é amizade'. Minha angústia foi aumentando, até que no meio da noite acordei gritando.

Procurei, então, me acalmar, respirando fundo. Tinha de tirar aquilo a limpo, o quanto antes. Até Jorge Aguirre estivera naquele delírio paranóico. Peguei o telefone e pedi ligação para meu apartamento em Pequim. Fan Yuan atendeu:

'Alô, Fan?'
'Fernando? Chegou bem?'
'Já tô no hotel. E você?'
'Tudo indo; com muita saudade!'
'Calma, passa rápido. Toninho tá dormindo?'
'Tá... Tá no quarto dele.'
'O calor aqui é infernal.'
'É?'
'É... Tem alguém aí?'
'Como assim?!'
'Esquece...'
'Fernando, você sabe que não. Pára com isso! Eu tô com você porque quero. Falo tua língua em casa, contigo e com teu filho. Tá dando uma de muçulmano; acha que adianta?'
'Me desculpe.' Inútil, anti-produtivo, jogar indireta; se fosse o caso, ela passaria a tomar maiores precauções. 'É que essa distância toda me deixa louco!'
'Não é de hoje que você vem me tratando mal. Esse ciúme que eu não entendo. Mas eu tenho um limite!'
'Eu sei...' a primeira vez que Fan reagia, e parecia sinceramente magoada. Talvez fosse tudo minha imaginação; senti-me até culpado. 'Acabei descontando a tensão do trabalho em você. Daqui de longe, vejo isso com clareza. Tenho que ser mais equilibrado.'
'É bom...'
'Amanhã, começo o trabalho aqui. Os nicaragüenses me pareceram simpáticos. Isso facilita muito a vida.'
'Amanhã à tarde, vou pra casa da vovó.'
'Sua mãe vai?'
'Hoje.'
'Você não vai com ela?'
'Ela vai de trem.'
'Dá uma carona!'
'Hoje?'
'Por quê não?'
'Tô cansada!'
'De quê?'
'Fica com um bebê o dia inteiro!'
'Você não quer empregada!'
'Fernando, não é hora de discutir isso. Melhor você desligar, olha a conta.'
'É. Te ligo na semana que vem. Um beijo. Cuida do Toninho.'
'Tchau.'

Desliguei o fone pior que antes. Quando eu pensava aliviado estar livre da dúvida, ela ressurgia. Torcia para que o ex-policial concluísse o trabalho, e já não me importava se fossem boas ou más notícias, conquanto esclarecessem a situação. Essa perspectiva me acalmou um pouco e me permitiu dormir.

- IV -

No dia seguinte, Jorge Aguirre apresentou-me aos colegas de trabalho. Percebi que havia uma mulher interessante, Selena Cortez, repórter do Nueva Prensa. Percebi, também, que o centro de imprensa seria dominado por esse jornal, que era governista. Mas não me cabia dar opinião a respeito, e sim ajudar a instalar o centro e fazê-lo funcionar.

Na reunião que tivemos, propûs que o centro de imprensa fosse inaugurado com uma apresentação do ministro da cooperação externa sobre a atuação do governo nessa área, já que a Nicarágua é, depois de Israel, o país que mais recebe ajuda per capita. A sugestão foi aprovada, e o ministro seria consultado.

Daí eu disse que, marcada a data da inauguração, era correr para organizar tudo no prazo. Minha principal preocupação era saber se poderia contar com softwares adequados e pessoal capaz de manejá-los. O equipamento disponível tinha sido doado pelo governo norueguês e era de primeira, havendo inclusive o Windows 95.

Convidei Jorge Aguirre para almoçar, e ele sugeriu uma pizzaria. Para minha surpresa, perguntou se não podia levar Selena Cortez. Concordei, dizendo que seria útil esse tipo de contato com os colegas, para trocar idéias e ter um feedback interno das ações implementadas. Aguirre limitou-se a sorrir.

Durante o almoço, Selena elogiou a sugestão de inaugurar o centro com um evento sobre cooperação externa, por ser uma das principais bandeiras do governo e agradar à comunidade doadora. A seu ver, o ministro toparia e ainda daria apoio, inclusive financeiro, para sua realização. Expliquei que não seria caro, muito pelo contrário. O assunto sendo interessante e o palestrante de peso, bastava expedir convite, que as pessoas vinham ou mandavam representante.

À tarde, recebemos fax com resposta positiva do ministro e proposta de datas. Seu assessor de imprensa, Ruy Montealegre, telefonou-me em seguida, para confirmar o recebimento do fax e pedir maiores informações sobre o international press center de Manágua. Disse que conhecia bem o de Buenos Aires, por ter vivido naquela cidade durante todo o período sandinista, na condição de exilado político e correspondente do El País. Prometi enviar algo por escrito ainda naquele dia. Dediquei o resto do horário de expediente a esse documento, com a colaboração voluntária de Selena, que deu boas idéias para o projeto de conferência com o ministro acima.

A happy hour passei sozinho no bar do hotel, tomando uísque. Um pianista que tocava bossa nova viu que gostei e resolveu cantar as melodias. Eu estava morto de cansaço, mas satisfeito com o dia de trabalho. Nesse momento, a solidão era um prazer, como se tivesse sido liberado de grossas correntes. Sentia o refluxo da mente alquebrada, o repouso proporcionado pela visão devaneando sem ponto fixo, pela música e pela bebida.

Uma garçonete aproximou-se e indagou meu nome. Disse então que me chamavam ao telefone. De início, não reconheci a voz, mas pelo assunto vi que falava o ex-policial. Até o momento, não tinha descoberto nada, mas continuaria seguindo e investigando. Agradeci a chamada e instruí que me ligasse só se houvesse novidades.

Subi para o quarto e pedi dois sanduíches. Vi no vídeo Hope and Glory, e a irmã do protagonista era muito gostosa. Após me masturbar, adormeci. Fui despertado pelo telefone no meio da noite. Ao ouvir o ex-policial, gelei. Pedi para esperar na linha um instante e fui até o banheiro. Acendi a luz e encarei-me no espelho. É agora, pensei, a hora da verdade. Respirei fundo dez vezes, depois passei água no rosto calmamente. Fui até o frigobar e pûs meio copo de vodka, para beber num gole, se fosse preciso.

A notícia veio como uma bala: ela tinha outro. Eu quis saber detalhes. Um vizinho da avó; encontravam-se nos fins de semana quando eu ficava em Moscou trabalhando. O ex-policial a tinha visto entrar na casa do outro havia mais ou menos uma hora. Daí perguntou se eu queria alguma providência. Providência? Pensei. Mas logo entendi o que ele queria dizer. Pedi que esperasse um momento e virei o copo de vodka.

O fogo da bebida atiçou minha imaginação, que pintou Fan Yuan com outro sem cara, só movimento. Sendo fodida em todas as posições, totalmente dominada pelo prazer. Pude ouvir, então, seus gemidos de gozo. Pois se arrependeria desse ato animalesco. Quis esfaqueá-la nua, encará-la com a faca enterrada no peito. Tive uma ereção, ao imaginar a cena.

Peguei o fone e disse que fosse em frente. Só me ligasse para dar o resultado. Uma vez em Pequim, eu o procuraria para o pagamento. Ao desligar, pensei se não teria remorsos, como o protagonista de crime e castigo. Talvez fosse melhor confirmar, para depois agir. Ligaria para aquele ex-policial e pediria para tirar fotos, o que seria um atenuante perante a justiça, se fosse o caso. Além disso, eu não tinha certeza sobre o que fazer: talvez separasse e voltasse para o brasil; ou, sem provas, continuasse casado.

Desesperei-me, ao constatar que tinha esquecido o número do telefone do ex-policial em Pequim, dentro de um livro em meu apartamento. Liguei para lá, atendeu a secretária eletrônica. Não havia telefone na casa da avó, para que eu alertasse Fan Yuan. Afinal, ela conhecia toda a vizinhança, pois lá ia desde criança. Era provavelmente um amigo de infância, visto que Fan Yuan não teria um amante onde todos sabiam que era casada e onde seus pais viviam a maior parte do ano. Disso, eu sei que ela não seria capaz. Aliás, toda a minha paranóia desaparecera de súbito, como o despertar de um sonho.

Virei outro copo de vodka. Se Fan Yuan me completava, e de fato era assim, por que inculcar? Eu fora vítima de minha imaginação, de mim mesmo. Pressenti então, pairando monstruosa sobre o quarto, a sombra do meu ciúme; que me fez abominável, em breve assassino. Daí chorei, chorei até adormecer.

- V -

Acordei com o despertador. Tomei uma ducha fria, o que me deu disposição física e clareza mental. Lembrei da noite anterior, como de um pesadelo. Um ex-policial não agiria precipitadamente, de improviso, o que daria tempo de eu pegar um avião para Pequim. Do hotel mesmo, reservei lugar em vôo no dia seguinte, às trezes horas. Tudo estava resolvido e tinha sido necessário, pois desanuviara minha paranóia e restaurara meu equilíbrio psicológico.

No press center, disse a Jorge Aguirre que, por motivo de doença de minha mulher, teria que passar uma semana na china, para arranjar médico, hospital, babá para Toninho, etc. Aguirre perguntou se eu não queria voltar de vez e indicar substituto. Respondi que não era preciso, por ser apenas uma crise de apendicite.

Pela manhã, trabalhei no projeto de concepção geral do centro de imprensa. Selena ajudou-me bastante, com idéias, sugestões e críticas. Seu estilo suave e claro de opinar conquistou minha cabeça e meu coração. Quando fomos almoçar, no Pizza Italia, o ciúme que até a noite anterior me tomara parecia, agora, distante no tempo. Eu já não era adolescente, para enganar a mim mesmo e não perceber que estava interessado em outra mulher. Essa volubilidade assustou-me um pouco, por ser demasiadamente humana. Percebi que quem tivesse consciência das próprias fraquezas dificilmente se decepcionaria com os outros e não raro se surpreenderia positivamente.

Depois do almoço, demos uma volta de carro. Selena mostrou-me a cidade, que era muito espalhada, praticamente só casas e prédios de dois andares, e amplos espaços vazios, tudo isso devido ao terremoto de 1972 e à possibilidade de outro. O imponente intercontinental tinha sido uma das únicas construções de porte que sobreviveram àquela catástrofe. No teatro Rubén Darío, outro remanescente, vimos uma exposição fotográfica sobre o terremoto, com cenas que me recordaram a bomba de Hiroshima.

Então, voltamos ao press center. Em meu telefone, a luz da secretária-eletrônica piscando. Já não me deixavam em paz nem na hora do almoço, pensei. Servi-me de café na cozinha e fui tomar na sala de Jorge Aguirre. Conversamos um pouco sobre a política local e sobre os possíveis sucessores de Violeta Chamorro. Daí entrou sua secretária e disse que meu vôo estava marcado para o dia seguinte, às 12:45. Agradeci e fui para minha sala. Sentei e automaticamente pressionei o botão da secretária-eletrônica para escutar os recados.

Logo em primeiro, mensagem de Fan Yuan dizendo que estava bem, que precisava falar comigo, que eu lhe ligasse na segunda quando ela voltaria, com a mãe e Toninho, da casa da avó. Confortou-me ouvir sua voz e prever sua surpresa ao me ver entrando em casa. Eu diria que viera para consultas técnicas e que retornaria em uma semana.

A segunda mensagem era de Ruy Montealegre, pedindo que lhe ligasse com urgência. A terceira, o canalha do ex-policial, dizendo que... Desliguei na hora. Meu deus, deveria ouvir? Óbvio. Liguei de novo, e ele disse que o serviço estava feito e quanto ao pagamento ligaria após quatro meses. Lembrei de Manuel Bandeira, pois só me restava 'dançar um tango argentino'.

Eu devia continuar trabalhando, vivendo como se nada tivesse acontecido. Chamei Selena a minha sala. Ela tinha alguma coisa para fazer à noite? Não? Que tal jantarmos no chinês? Às oito e meia, ok?

Lembrei, em seguida, de que podia ser acusado de assédio sexual. Mas não era um velho querendo trepar à força! Apenas a coisa mais normal do mundo, um homem convidando uma mulher da sua idade para jantar. Lei da natureza, meu caro; e Selena aceitou (e seu emprego não dependia absolutamente de mim).

- VI -

Agora passeava eu, o monstruoso, por Manágua. À tarde, vendo crianças saírem da escola. Coitada de Fan Yuan, pensei, era com certeza inocente. Mesmo que não, bastava eu trair, que o ciúme iria embora. E Toninho? Devia estar com a avó. Em breve, a polícia chinesa me telefonaria.

O recado já estava no hotel quando cheguei à noite. A surpresa em meu rosto foi real, pois ouvir a notícia da voz impessoal do gerente e receber seus pêsames em nome da cadeia de hotéis que representava não deixava dúvidas quanto ao ocorrido.

No restaurante chinês, esqueci do mundo conversando com Selena. Ela tinha vindo de carona com uma amiga, daí quando saímos do restaurante deixei ela em casa. Despedimo-nos com um longo beijo.

No cinema não existe crime perfeito. Na vida, acho que também não, se a polícia fosse averiguar. Só que na maioria dos casos não vai. Se fosse um figurão, com repercussão na imprensa, cobrança dos políticos e dinheiro envolvido, aí sim. Do contrário, o caso é arquivado, se não oficialmente, na prática.

Eis a moral da presente história. Toninho está com a avó por enquanto. Eu, com Selena, que está morrendo de pena de mim, mas não larga o osso. Talvez um dia eu comece a ser corroído pela culpa, tal qual o personagem de crime e castigo. Prorroguei meu período na Nicarágua, devendo fazê-lo de novo quando for o tempo. Por ora, estou mais para a insustentável leveza do ser.

Carlos Serapião Jr.

O Poeta

- Ei! Você!

- É, você mesmo.

- Vem cá!

- Só um instante.

- Tudo bom?

- Quer ouvir um poema?

- Desculpe.

Sapão

Antiquário

Quando entrou naquela loja de antiguidades ele já tinha certeza de que não compraria nada. Mesmo assim, parava e observava atentamente cada objeto. Aquela loja parecia ser um depósito de coisas inúteis, guardadas à espera de algum excêntrico que tivesse dinheiro para gastar com aquelas velharias. Ele demorou-se mais observando o mostruário de espécies em extinção. Junto deste mostruário ficava um vendedor, pronto para responder a qualquer pergunta sobre aquelas mercadorias. Ele ficou olhando um velho, sentado no fundo de uma jaula, que agia de modo estranho: levantava a cabeça e ficava algum tempo tentando enxergar além do horizonte da loja, para depois fazer sinais em quadrados de um material branco. A jaula estava cheia destes quadrados. Quando requisitado, o vendedor disse ser aquele o último espécime de sua raça e, após olhar em alguns livros expostos em outra estante, concluiu que, em tempos antigos, eram chamado de poetas.

Sapão

quinta-feira, 8 de maio de 2008

rosebud

com os teus olhos
vejo
a dor descendo como uma neblina sobre as casas
e as janelas fechando-se

ao longe a bailarina acende-se na música
e espreitam os brinquedos
da memória

é sempre assim o mar
mesmo sem fúria
mesmo que as casas flutuem no seu limbo de lágrimas
mesmo que as árvores
ah as árvores
e as suas grinaldas
de mansinho

citizen kane despenhou o mundo do seu trono de vidro
em plena rua estava morta a rua só o vento
a pisava
e os sons dos meus passos a seguir-me

há por aí alguma porta aberta?

Carlos Nogueira Fino
um cisco no olho,
outro no coração
no meio deles, o redemoinho
brincando de amor

Henry Corrêa de Araújo
Meter uma bala maiakoviskiana na cabeça
ou despetalar a rosa de Getrud Stein?
Eis a questão

Henry Corrêa de Araújo
mamar nas tetas fartas do dicionario
para nao cair de costas e quebrar o nariz

Henry Corrêa de Araújo
ao pé-da-letra
as primeiras letras
são letras mortas

Henry Corrêa de Araújo

quarta-feira, 7 de maio de 2008

estou sentado

à minha volta desenrola-se o catálogo das boas causas
e ondeiam sobre a passerelle as novas colecções já a pensar
na próxima estação

diáfanos combates
clássicos tecidos
uma linha de ombros decididos e mínimas cinturas e passos
arrojados

são exclusivos penso e muito dispendiosos
apenas ao alcance de meia dúzia
de privilegiados

Carlos Nogueira Fino
Caótico mas ainda católico
o poeta não vai a missa.
o poeta está proibido de entrar
na igrejinha dos literastros

Henry Corrêa de Araújo
Usar palavras novas
de maneira nova.
não envelhecer
não envilecer
não entregar o ouro para os bandidos.

Henry Corrêa de Araújo
Nao esperar o poema acontecer
partir para cima dele
armado de palavras até os dentes

Henry Corrêa de Araújo

terça-feira, 6 de maio de 2008


Michael Waisberg

Pequenos Poemas Visuais










Marco Dell' Isola

Cenas antecedentes de todos os próximos domingos até o final dos tempos

sento
olho
tento
levanto
troco o disco
sento
olho
penso
(ou pelo menos tento)
talvez seja mesmo um imbecil
talvez não saiba mesmo escrever
talvez
quem sabe
por quê eu?
letras amarelas num fundo cinza
arte
lixo
rima
frase
palavras
eu
ninguém
nenhum título
nenhum texto
ouço 'clitóris'
ouço 'lixo'
silêncio
só silêncio
imaginação
eu queria poder mas não posso
porque nem ele pode se ninguém
pode
foda-se
gramática
'que se foda a camada de ozônio'
'que se fodam os elefantes africanos'
pego a coca na geladeira
solução
problema
aula
recreio
merenda
o certo e o errado
bunda
sei lá
música
o ruido da alma
violência
que venha a mim o vosso reino
que venha a mim toda a loucura
que venham a mim
sonho
delírio
morte
faremos uma reunião de amigos

"Have you ever met the perfect god?"

Agradeço a todos aqueles que nunca foram meus amigos por me deixarem em paz e não me obrigarem a olhar em suas caras e nem me fazerem sentir o que não sinto.

Sapão

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Receita

Uma garrafa de whiskey
uma outra garota qualquer
(sendo outra, qualquer serve)
um sorriso
um pedaço do meu sonho
(dentro de um envelope azul)
um telefonema
um bar fechado
uma rosa branca deixada no portão
felicidade a gosto
meia dúzia de amigos sinceros

sexo etanol & bossa-nova
um barquinhoa deslizar
Hard Rock Café and United Nations
Sandman, Isaac Asimov et Victor Hugo
A Bíblia Sagrada
um mergulho
um banho de sol
Miami, Orlando and New York
Central Park, Pittsburgh, Filadelfia, Seattle,
pessoas andando presas nas roupas de couro,
marcas

misturar sem confundir
bater
servir quente

Humberto Massa

Pinheiros

Sou deus enquanto acoplo a lâmpada no bocal
Elevo-me nas confidências proteicas
E dentro da tempestade etroboscópica
Salto no abismo e tento tocá-la

Ela sorri mas foge, continuo caindo, irremediavelmente. Muito tempo depois, percorrendo paisagens de cartolina, a realidade esmurra a boca do estômago. Sinto que sou ontem no brilho do sol o reflexo do brinco rasgando a cara. Sinto que sou hoje o tempo retrocedido nos passos de sete pessoas silênciosas percorrendo ruas como borboletas pardas.

O desejo desmancha em flores vermelhas como sangue e coagula em lembranças murchas. Ela sorri diante do abismo e salto mais uma vez.

Paulo Waisberg

Casal Mecenas

O cantar dos trovadores
evoca o que prende a gente,
família, amigos, valores,
quais elos de uma corrente.

Tão livre como a andorinha,
que é livre, pode voar,
a alma jamais se amesquinha,
sabendo amar e perdoar!

Quando nos fala, o poeta,
dando à luz fina impressão,
abre sua alma de esteta
e compartilha a emoção.

Fernando Soares

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Passado

Já fomos felizes
de quantas (várias) maneiras
mas a saudade do que ainda não vivemos
é maior que a dor das viagens ao passado
(casa arrumada?!)

Hoje, o único vazio
faz-se ao meu lado
entre as onze e as seis e meia...

Humberto Massa

Vôo No. 1

Revolver o arsenal das palavras;
Extirpar a métrica e a rima;
Naufragar no brilho sóbrio da farta taça,
Ainda que seja aliada,
Tácita em sua vontade,
Ainda que seja paixão.

Persentir a magia dos versos;
Retorquir toda falsa ilusão e,
Ainda que seja de dia,
Despir a aura azul da lua,
Ostentar sonhos tortos ao léu.

Marco Dell' Isola

Rápidas (1)

Tentei sonhar
o gelo estalou
a viga parece firme
as grades ameaçam

frio

Sapão

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Deliciosas Trovas

Quatro versos reluzentes
sete sílabas em cada
rimando, enredos fluentes,
trovas evocam balada.

Lapidar a idéia, a trova,
requer talento e coragem,
é tal qual, em dura prova,
domar cavalo selvagem!

Trova lembra gestação:
há esforço e sofrimento,
mas, com ternura e emoção,
dá-se à luz um sentimento.

Fernando Soares

Çutiã

Ela tirou o Çutiã e deixou ele na mesa. Transamos e ela foi embora. Deixou o Çutiã. Droga!! O que eu vou fazer com aquele Çutiã? Joguei fora.

. . .

Dling-dlong! Abri a porta: Ô seu moço, foi u sinhô qui perdeu esse Çutiã? Achei lá no lixo e pensei que só pudia ser coisa do sinhô e que caiu lá puringano. Tó! Peguei, fechei a porta, fui na cozinha. Joguei aquilo na triturador de lixo!

. . .

Bzz! Bzz! Bzz! Alô, aqui é da Copasa. Nós já mandamos pelo correio o Çutiã que o senhor deixou cair no triturador. Abri a caixa de cartas: Çutiã!! droga! Jogar na privada? não, não, não! a Copasa manda. Joguei no riacho pra água levar!

. . .

Aqui! Eu sou da prefeitura e eu acho que esse Çutiã veio do riacho que passa atrás da sua casa, deve ter caido do varal. Mil vezes droga! Joguei ele em cima da mesa!

. . .

Sabia que tinha esquecido ele aqui! Mas que vergonha, ainda no lugar que eu deixei, isso é um absurdo. Transamos e ela foi embora. Deixou o Çutiã…

Chances

De que nos serve a liberdade?
para construirmos com as pedras
da nossa solidão
a prisão da nossa tristeza...
o caminho,
a busca,
a dúvida e, talvez,
o desespero?

Sóis que à meia-noite
à meia-luz nos abraçam
nos amam, apertam, espremem,
nos torcem, destorcem,
vivem, choram, e têm que ser assim.

Humberto Massa

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Sem Título

Jogo de palavras
fuga do sentido
ausência da mensagem
busca do inatingível.

Inconformismo
aformalismo
neologismo.
Assepsia, sentimento.

Ausência.
Vazio que preenche.
Nem miséria nem fortuna
nem necessidade de miséria
nem necessidade de fortuna.

Metáforas.
Hipérboles.
Exageros de um invisível
inexistente.

Nem felicidade nem angústia
Nem paz nem amor.
Relâmpagos sem trovões,
trovões sem tempestade.

Calmaria sem desespero
bonança sem ócio.
Balança de pratos vazios
equilibrada no meio do intangível.

Cassio Lopes

O Louco de Asas Azuis

- Cuidado com o louco de asas azuis! Foi ele que me deixou assim: o louco de asas azuis!

Eu já havia sido abordado por bêbados em bares, mas nunca nenhum me deixara tão intrigado. Continuei pensando nele enquanto dirigia para casa. Quando cheguei, o porteiro me entregou uma carta. Não havia endereço. Fora entregue em mãos. Abri no elevador. Um desenho de criança - ou bêbado - acompanhava a seguinte inscrição:

- Este é o louco de asas azuis. Cuidado!

Fiquei estupefato! Como aquele bêbado poderia saber o meu nome, ou endereço, ou que eu estaria no bar? Entrei em meu apartamento e escutei os recados que estavam na secretária eletônica, enquanto preparava um drinque. Apenas uma chamou minha atenção:

- Consegui despistá-lo, mas ele continua à solta. Cuidado com o louco de asas azuis!

Aquele acontecimento, que a princípio parecia hilário, começou a me aborrecer. Fui dormir e tive sonhos estranhos. Sonhei com borboletas azuis, pássaros azuis - e até pterodátilos azuis! - em um mundo branco. Tudo era branco, menos as aves, insetos e animais voadores, que eram azuis.
Acordei atrasado e tive que sair correndo. Levei uma bronca do chefe, mas por sorte ainda estava anestesiado pelo sono. A única coisa que me acordou foi uma - não - duas asas azuis. Era uma borboleta, da coleção que o chefe mantinha com carinho. Passei a manhã inteira com aquelas palavras na minha cabeça:

- louco, asas, cuidado, cuidado com o louco, azuis, asas azuis, louco azul, cuidado com as asas, cuidado com as asas do louco azul...

Saí do transe quando o telefone tocou:

- O louco, é você que ele quer! Cuidado com o louco de asas azuis!

Falei todos os palavrões que sabia e até inventei alguns.

À noite fui a outro bar, pensando que poderia ficar livre daquele homem que queria me deixar maluco.

Não demorou e ele apareceu. Sentou sem que eu percebesse e começou a falar no louco de asas azuis. Fui embora.

O assédio continuou durante uma semana, embora eu tenha ido a cada dia em um bar diferente. Certo dia, eu estava num bar e ele chegou, sentou-se sem que eu percebesse e disse:

- Acho que o louco de asas azuis desistiu, você está livre.

Foi quando ele se levantou que eu percebi que tinha asas, asas azuis! E é por isso que eu estou lhe dizendo:

- Cuidado, muito cuidado com o louco de asas azuis!

Sapão

MASP

As meninas dormem.

Enxergo o sinal sangrando e todo o movimento morre enquanto passam batom na luz dos labios, as meninas sorridentes de cabelos desgrenhados passando o batom da noite, a luz dos sinais como uma pedrada de luz no vidro que estilhaça e sangra.

Ninguém desperta enquanto afogo no vermelho.

Primeiro Post

Galera,

o Uivo está de volta, agora em novo formato. Teremos menos firulas no design, mas acho que ganhamos muitas facilidades com o formato e as ferramentas (RSS, comentários, etc) de blog.

De início, vamos postar alguns textos das edições iniciais do Uivo pra aquecer os motores. Enquanto isto, esperamos receber e escolher algum material novo.

Então é isso: mandem suas contribuições e aproveitem este novo Uivo.